Av. Brigadeiro Faria Lima, 3311 - cj. 62 - Itaim Bibi - S?o Paulo - SP - 04538-133

Gustavo Badaró - O ônus da prova no Habeas Corpus: in dubio pro libertate - Ano 2009

Por: Gustavo Badaró

Sumário: – 1. O Habeas Corpus como instrumento de defesa da liberdade – 2. O Habeas Corpus preventivo e a ameaça à liberdade de locomoção – 3. A liberdade de locomoção e os mecanismos judiciais de sua proteção nas convenções internacionais de direitos humanos – 4. A natureza jurídica do Habeas Corpus e suas finalidades – 5. O Habeas Corpus e a prova – 6. O Habeas Corpus e o ônus da prova – 7. Análise dos requisitos da prisão cautelar no habeas corpus e o ônus da prova – 8. Conclusão – Bibliografia. 

1. O Habeas Corpus como instrumento de defesa da liberdade 
        O habeas corpus é, por excelência, o mecanismo de defesa da liberdade de locomoção. 

        Para os fins do presente trabalho, não é necessária a análise longínqua ou mesmo detalhada da evolução histórica do habeas corpus. Basta se compreender o surgimento do habeas corpus preventivo e as diferenças que se sucederam quanto ao grau de ameaça exigido para que se pudesse utilizar do habeas corpus preventivo. 

        Quanto à sua origem histórica, embora haja referência a medidas do processo romano, como o interdictum de homine liberum exhibendum, seu antecedente histórico mais moderno, com as características mais próximas do instituto na atualidade, é a Magna Carta de 1215 (§ 39). Tratava-se, como se sabe, do que hoje se denomina habeas corpus liberatório, isto é, cabível nos casos em que já havia efetivo constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Com essa feição, a disciplina do habeas corpus surgiu com o Código de Processo Criminal de 1832 (art. 340). Assim como o modelo inglês, o habeas corpus somente cabia contra a prisão ilegal, isto é, quando já consumada a lesão à liberdade de locomoção. Nos termos atuais, existia apenas o chamado habeas corpus liberatório.     

    Na evolução legislativa brasileira merece destaque especial a Lei n. 2.033, de setembro de 1871, que ampliou o cabimento do habeas corpus, criando a modalidade preventiva do writ. 

    Somente com a proclamação da República é que o habeas corpus ganharia status constitucional. A Constituição de 1891 elevou ou habeas corpus à categoria de garantia constitucional: “Dar-se-á habeas corpus sempre que o indivíduo sofrer ou se achar em iminente perigo de sofrer violência ou coação, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 77, § 22). A garantia assegurava o habeas corpus preventivo, mas com a restrição de que se o indivíduo se achasse “em iminente perigo” de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção. 

    A restrição, contudo, não se repetiu na Constituição de 1934, que em seu o art. 113, § 23, estabelecia: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus”. Com a substituição da expressão “iminente perigo” por “se achar ameaçado” ampliou-se consideravelmente o cabimento do habeas corpus preventivo.

    A Constituição de 1937, em típico retrocesso autoritário, voltou a restringir o cabimento do habeas corpus preventivo. O art. 122, § 16, dispunha que: “dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal, na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar”. A expressão “se achar ameaçado” foi substituída por “se achar na iminência de sofrer ...”. Voltou-se a exigir uma ameaça iminente à liberdade de locomoção para que o habeas corpus se tornasse cabível.

        O Código de Processo Penal de 1941, ao disciplinar o habeas corpus preventivo, incorporou a restrição constitucional, repetindo o seu texto: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar” (art. 647).

        Com o restabelecimento do Estado de Direito, a Carta de 1946, em seu art. 144, § 23, volta a regra ampla de cabimento do habeas corpus preventivo: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões disciplinares, não cabe o habeas corpus”.

        Nas Cartas constitucionais que se seguiram, o habeas corpus preventivo era previsto com este conteúdo mais amplo, bastando que o indivíduo esteja “ameaçado de sofrer” violência o coação em sua liberdade de locomoção.