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Gustavo Badaró - A busca da verdade no processo penal e os seus limites: ainda e sempre o problema do prazo de duração da interceptação telefônica - Ano 2016

Por: Gustavo Badaró

ÁREA DO DIREITO: Processo penal

RESUMO: O artigo tem por objeto analisar os prazos de duração das interceptações telefônicas, a partir da premissa de que toda restrição de direito fundamental deve estar sujeita a limitação temporal. Para tanto, analisa-se o processo penal como um instrumento para permitir que legitimamente seja atuado o poder de punir estatal, sendo que, no campo probatório, a verdade deva ser considerada um padrão de justiça. Isso não significa, porém, que sua busca deve ser ilimitada, mas sujeita a estritos padrões de legalidade, que podem até mesmo tornar necessário o estabelecimento de regras anti-epistêmicas, com é a limitação do emprego das interceptações telefônicas.

PALAVRAS-CHAVE: Verdade – prova penal – interceptação telefônica – prazo de duração

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Processo penal como mecanismo de legitimidade da punição estatal – 3. A importância da verdade no processo penal – 4. O direito à prova e seus limites no processo penal – 5. Do conteúdo do direito à liberdade de comunicação telefônica – 6. A necessidade de uma limitação temporal para as interceptações telefônicas – 7. Parâmetros para a limitação temporal da interceptação telefônica no Brasil – 8. Conclusões

1. Introdução

A Constituição de 1988, como era da tradição da brasileira, assegurou a liberdade das comunicações telefônicas (art. 5.º, caput, inc. XII). A novidade foi, expressamente, tratá-lo como um direito relativo, passível de restrição legítima, por ordem judicial, para fins de investigação ou instrução criminal, nas hipóteses e na forma prevista em lei. 

A restrição a tal direito foi regrada pela Lei nº 9.296, de 24.06.1996, que, quanto ao limite temporal da interceptação telefônica, estabeleceu um prazo de 15 dias, passível de prorrogação. Não há, contudo, a previsão de um prazo máximo de duração de tal meio de obtenção de prova.

A ausência de um marco cronológico absoluto representa um seríssimo déficit legislativo da Lei de Interceptação Telefônica – Lei nº 9.296/1996 – que, na prática tem permitido que o direito constitucional seja, muitas vezes, simplesmente aniquilado, por ingerências durante anos e anos. Com isso, muito mais do que suspender temporariamente o direito à liberdade das comunicações telefônicas, o direito do inciso XII do caput do art. 5º da Constituição tem sido substancialmente negado.

O presente estudo, vinte anos depois da lei de interceptação telefônica, pretende analisar, sob a ótica do direito comparado e dos tribunais internacionais de direitos humanos, a necessidade de se estabelecer um prazo máximo de duração das interceptações telefônicas. E, reconhecida essa limitação, propor parâmetros para, no caso concreto, verificar se, do ponto de vista temporal, se está diante de uma restrição legítima de duração limitada, ou de uma indevida supressão do direito de liberdade de comunicações telefônicas.

Para tanto, sem esgotar a matéria, será necessário expor, previamente, a concepção de que o processo penal é instrumento que legitima o exercício do poder de punir estatal. E, para a obtenção de um resultado justo, no que diz respeito ao juízo de fato, a verdade é um inegável parâmetro de justiça, mas que não deve ser buscada a qualquer preço. Será justificada a necessidade de a busca da verdade conviver com outros valores que, em determinados casos, podem justificar a cessação do emprego de meios de obtenção de provas, para prevalências de valores mais relevantes.