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Gustavo Badaró - A garantia do juiz natural e o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal, em caso de grave violação de direitos humanos - Ano 2010

Por: Gustavo Badaró

Sumário: – 1. Do incidente de deslocamento de competência: federalização dos crimes de graves violações de diretos humanos – 2. A garantia do juiz natural: necessidade de um juiz predeterminado por lei – 3. O juiz natural e as hipóteses de modificação de competência – 4. Análise do incidente de deslocamento de competência em face da necessidade de determinação do juiz competente – 5. Conclusão. 

1. Do incidente de deslocamento de competência: federalização dos crimes de graves violações de diretos humanos 

    A Emenda Constitucional n.º 45/2004, que teve por objeto a Reforma do Poder Judiciário, criou uma nova hipótese de modificação da competência penal: o incidente de deslocamento da competência para a Justiça Federal, no caso de crimes que impliquem “grave violação de direitos humanos”.
    O novo inciso V-A do art. 109 da CR acrescentou mais uma hipótese ao rol de competência dos juízes federais: processar e julgar “as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5.º deste artigo”. Por sua vez, o § 5.º, que também foi acrescido ao referido artigo, dispõe que: “Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento­ de competência para a Justiça Federal.”
    A justificativa, para a federalização é que, no plano internacional, o Brasil responde por violações aos direitos humanos previstos em tratados em que o Estado é parte, mesmo que se trate de ato decorrente de autoridade dos Estados membros. Tome-se, por exemplo, a Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 28 estabelece a “cláusula federal”. O art. 28.1 prevê que: “Quando se tratar de um Estado Parte constituído como Estado federal, o governo nacional do aludido Estado Parte cumprirá todas as disposições da presente Convenção, relacionadas com as matérias sobre as quais exerce competência legislativa e judicial”. E, o art. 28.2 prevê que: “No tocante às disposições relativas às matérias que correspondem à competência das entidades componentes da federação, o governo nacional deve tomar imediatamente as medidas pertinentes, em conformidade com a sua constituição e suas leis, a fim de que as autoridades competentes das referidas entidades possam adotar as disposições cabíveis para o cumprimento desta Convenção”. Havendo tal responsabilidade, é necessário que a União tenha um mecanismo para evitar tais violações pelos Estados Federados. No caso dos processos judiciais, um dos motivos sempre invocado, inclusive para superar o óbice do esgotamento das vias internas, era que os processos perante o Poder Judiciário não tramitavam em um prazo razoável. Obviamente, esta demora ou dilação indevida dos processos pode ocorrer tanto no âmbito federal quanto no estadual. Todavia, no caso das Justiças dos Estados, a União encontrava-se de mãos atadas, visto que não poderia interferir na Justiças dos Estados, mas seria condenada pela ineficiência destas. Daí a necessidade do deslocamento da competência. 
    Quanto à sua natureza, trata-se de um incidente que, se acolhido, acarretará a mudança da competência de um processo que já estava tramitando perante uma das varas da Justiça Estadual e passará a ser de competência da Justiça Federal. Trata-se de prorrogação de competência constitucional, fixada em ratione materiae.
    O presente estudo pretende analisar a compatibilidade do incidente de deslocamento de competência para a justiça federal nas causas em que há graves violações de direitos humanos, com a garantia constitucional do juiz natural, em seu aspecto positivo, do juiz competente determinado por lei.