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2018

Gustavo Badaró - Limites do pactuado na Colaboração Premiada: pode o Ministério Público fixar penas ou conceder perdão?

Começo pela resposta: Não.

Esse posicionamento, que venho defendendo insistentemente, acaba de ser adotado pelo STF, em decisão do Ministro Ricardo Lewanowski, de 14.11.2017, na Petição 7265/DF.

O ministro considerou que é o Poder Judiciário que detém, por força de disposição constitucional, o monopólio da jurisdição, sendo que somente por meio de sentença penal condenatória, proferida por magistrado competente, é possível fixar ou perdoar penas privativas de liberdade relativamente a qualquer jurisdicionado. “A Lei 12.850/2013 confere ao juiz a faculdade de, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos resultados descritos nos incisos do artigo 4º do diploma legal em questão”. Validar tal aspecto do acordo corresponderia permitir ao Ministério Público atuar como legislador: “Seria permitir que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente, ao acusado, sanções criminais não previstas em nosso ordenamento jurídico”. Considerou-se, ainda que a Lei 12.850/2013 não dá autorização legal para que as partes convencionem, em acordo de colaboração, a espécie, o patamar e o regime de cumprimento da pena.
Realmente, a matéria de pena, em abstrato está sujeita a estrita legalidade. O que se esta a afirmar, é uma obviedade: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (CR, art. 5, caput, XXXIX). E a aplicação da pena, só se dá com reserva de jurisdição, depois do devido processo legal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (CR, art. 5, caput, LIII).

A colaboração premiada, tal qual disciplinada pela Lei 12.850/2013 abre espaços para autonomia da vontade e produção de efeitos jurídicos pelo consenso entre imputado e Ministério Público. Evidente, porém, que há limites de legalidade que o acordo de vontade não pode ultrapassar. Não pode criar penas e não podem aplicar diretamente as penas.

As penas a serem pactuadas são as previstas na legislação: privativa de liberdade, restritivas de direito ou multa (CP, art. 32, caput). No caso das penas privativas de liberdade, poderão ser cumpridas em regime fechado, semiaberto ou aberto (CP, art. 33, caput e § 1º). Ou regime inicial fechado, no caso de crime hediondo (Lei 8.072/1990, art.  2º, §§ 1º e 2º). Não tem sentido a criação de “regimes diferenciados”. Regime aberto, semiaberto ou fechado acompanhados do qualificativo “diferenciado”. São regimes diferentes do legais, o que no caso, significa mais do que não legais. São ilegais.

A previsão de uma pena específica no acordo rompe com a sistemática da lei. O legislador, corretamente, desconfia da colaboração premiada. A Lei 12.850/2013 exige que o acordo seja homologado com verificação da voluntariedade, regularidade e legalidade (art. 4.º, § 7º). Depois, em regra, deverá haver denúncia e processos, cabendo ao juiz, na sentença apreciar “os termos do acordo homologado e sua eficácia”. (art. 4.º, § 11º). Aliás, a cabeça do art. 4º já determina que será “O juiz” que terá a tarefa de “conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos” de acordo com os resultados legais que advenham da colaboração. E os benefícios poderão ser, somente estes.

A extinção da punibilidade, com a concessão do perdão judicial. Evidente que o perdão judicial não ficará restrito as hipóteses que a lei expressamente prevê, com o crime de lesão corporal culposa ou homicídio culposo. Poderá haver perdão judicial para o crime de organização criminosa ou os crimes a eles conexos praticados pela referida organização. 

Outro benefício que o acordo poderá prever é a substituição da pena privativa de liberdade, por qualquer das penas restritiva previstas em lei. Não poderá, contudo, criar uma pena diversa das previstas no art. 43 do Código Penal. Por outro lado, as penas restritivas de direitos poderão ser aplicadas sem a observância dos critérios do art. 44 do Código Penal, que poderão ser afastados por consenso entre as partes. Isso porque, o art. 4º da Lei 12.850/2013 prevê, amplamente, que um dos benefícios poder ser a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito. Assim, por exemplo, será possível, em tese, a concessão de pena restritiva de direito no caso de pena privativa de liberdade superior a 4 anos, ou mesmo para condenados reincidentes, o que é vedado pelo art. 44, caput, incisos I e II, respectivamente. 

Por fim, a pena privativa de liberdade poderá ser estabelecida em regime fechado, semiaberto ou aberto, sendo ilegal a criação de regimes diferenciados. A redução poderá ser até de 2/3, segundo o previsto no art. 4, caput, da Lei 12.850/2013. Como não há previsão de que a pena a ser cumprida em qualquer desses regimes, o seja fora dos parâmetros previstos na lei, ou com padrões diversos, o regime inicial deverá ser fixado segundo os critérios comuns do §§ 2º e 3º do art. 33 do Código Penal. E cumprida de forma progressiva, segundo os parâmetros da Lei de Execução Penal. Nesse aspecto, de lege ferenda, seria razoável que houvesse permissão para maior autonomia da vontade para a determinação do regime inicial de cumprimento de pena e na sua forma de progressão.  

Um ponto que não é claro na lei: o juiz, na sentença, está vinculado ao que as partes considerem ser o grau de efetividade da colaboração, segundo os resultados previstos no caput do art. 4º da Lei nº 12.850/2013. Parece claro que, havendo dissenso, cabe ao juiz decidir. Mas, e no caso de consenso dos pactuadores sobre e efetividade da colaboração premiada? Um exemplo concreto: se Ministério Público e acusado concordarem que o grau de efetividade da colaboração foi máximo, merecendo o colaborador o maior ou melhor dos benefícios previsto no acordo, poderia o juiz discorda? A resposta é negativa. Não poderia o juiz, diante do consenso das partes sobre o cumprimento do acordo, considerar, por exemplo, o grau de colaboração não foi máximo, mas mediano. 

http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=361861