Gustavo Badaró - Prisão em flagrante delito e liberdade provisória no Código de Processo Penal: origens, mudanças e futuro de um complicado relacionamento - Ano 2011
Por: Gustavo BadaróSumário:
– 1. Introdução – 2. Prisão em flagrante e liberdade provisória: na origem do CPP e nas reformas intermediárias – 3. Prisão em flagrante e liberdade provisória na reforma da Lei n.º 12.403/11: 3.1 A nova natureza jurídica da prisão em flagrante; 3.2 A prisão em flagrante e as excludentes de ilicitude; 3.3 O problema do standard probatório das excludentes de ilicitude para liberdade provisória; 3.4 A proposta de um conceito ampliado de fumus commissi delicti; 3.5 Os poderes da autoridade policial; 3.6 Fiança: mudanças quanto à natureza e o regime legal; 3.7 A fiança no conjunto das medidas alternativas à prisão – 4. Prisão em flagrante e liberdade provisória no Projeto de CPP – 5. Propostas de evolução – 6. Conclusões.
1. Introdução
O modo como no processo penal se aplicam as medidas cautelares, mormente as privativas de liberdade, traduz bem o culto de liberdade de um povo e, por isso, também o grau de implementação na sociedade dos ideais democráticos.
O relacionamento entre a prisão em flagrante delito e a liberdade provisória, com ou sem fiança, tem sido tal conturbado e sujeito a inúmeras alterações, ao longo dos 70 anos do Código de Processo Penal.
Não seria exagero afirmar que este foi o tema do Código de Processo Penal em que houve mais mudanças, quer do ponto de vista quantitativo, quer do ponto de vista qualitativo.
Recentemente, a Lei n.º 12.403/11 promoveu profundas mudanças no regime das medidas cautelares processuais penais de natureza pessoal. A grande e esperada novidade foi superar um medíocre sistema bipolar, que contava apenas com os extremos da prisão cautelar – em flagrante delito e preventiva – e da liberdade provisória. Foram acrescidas medidas cautelares pessoais alternativas à prisão: “comparecimento periódico em juízo” (art. 319, inc. I), “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares” (art. 319, inc. II), “proibição de manter contado com pessoa determinada” (art. 319, inc. III), “proibição de ausentar-se da Comarca” (art. 319, inc. IV), “recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga” (art. 319, inc. V), “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira” (art. 319, inc. VI), “internação provisória do acusado ... imputável ou semi-imputável” (art. 319, inc. VII), “fiança” (art. 319, inc. VIII), “monitoração eletrônica” (art. 319, IX) e “proibição de ausentar-se do País” (art. 320).
Assim sendo, numa obra coletiva que se destina a olhar para o futuro, pode parece sem sentido tratar de um tema “velho”, como a prisão em flagrante delito e a liberdade provisória. O estudo, contudo, justifica-se. A primeira razão é que houve mudança na natureza da prisão em flagrante delito e na dinâmica de seu funcionamento, bem com na natureza da fiança, nos seus valores, no destino dos valores e dos bens dados em fiança, entre outras alterações menores.
Esta, contudo, é seria só uma análise de direito posto. O estudo também se justifica por um objetivo ambicioso, indo além de um simples comentário à nova lei. A proposta é conhecer o passado, para entender o presente e propor um futuro melhor para a relação entre prisão em flagrante delito e a liberdade provisória.
Para tanto, o estudo será dividido em três períodos: (i) o CPP, de suas origens até a reforma de 2011; (ii) o novo sistema da Lei n.º 12.403/11; (iii) o Projeto de CPP.